Derrotado em Vitória pt

Right in the Middle

Duelo de titãs no Egito nunca foi tão natural depois de uma memorável ida a Vitória.

Olá, me chamo Ataxexe, sou de algum planeta maluco e caí aqui por acaso quando meus pais tiveram uma amizade colorida no final de 1984. Mas meu nome terráqueo acabou sendo Marcelo. De lá pra cá, tive a estranha ideia de ir para o mundo da TI e acabei me tornando um viajante sem sorte.

Esta história aconteceu em Julho de 2018, em Vitória, terra dos capixabas. Um município com mais de 300 mil habitantes e um IDH de dar injeva aos demais municípios brasileiros. É também um dos poucos lugares onde meus óculos embaçam quando eu saio do táxi e, provavelmente, o único lugar no mundo onde o cinema local exibiu a estréia dos Vingadores com vários lugares vazios.

Aquela segunda-feira estava normal. Aeroporto lotado, trouxas achando que as malas nos quiosques são realmente grátis, comida com valor de imóvel e aquela fila maravilhosa pra entrar no avião. Depois de rodar 80.000 km em 7 meses, acabei virando cliente Platinum e pelo menos a fila não me intimida mais. Meu assento era o 11D, então, fui contando um a um, na esperança de pegar no sono e esquecer que o encosto do banco termina no meu pescoço.

Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, onze… onze?? ONZE?!? A aeromoça me disse que a aeronave veio do Chile e que, como no Brasil a nomenclatura da saída de emergência naquele vôo é da fileira 11D, eles tiveram que alterar as posições das fileiras 10 e 11. Como profissional de TI e com uma vasta experiência em desenvolvimento de sistemas, não fiquei nem um pouco espantado com o motivo. O que é deveras preocupante.

Quando já estávamos para levantar vôo, a turbina falhou. Um monte de gente começou a gritar “Isso não é possível!”. Ora bolas, teria sido muito pior se a turbina falhasse lá em cima. Trinta minutos depois e, aparentemente, arrumaram a turbina. Devem ter renomeado alguma peça pra aderir ao padrão nacional. Pelo visto não funcionou. Depois de mais uns 15 minutos, voltamos ao portão de embarque para esperar outra aeronave. Não sei o motivo, mas me dirigi ao novo portão de embarque contando todos os outros pra ver se estavam em ordem.

Dessa vez estava tudo em ordem, literalmente. Só que cheguei em Vitória às 23h45, ou seja, teria 14 minutos para comprar alguma coisa e poder creditar no valor da diária que seria pago pela empresa como reembolso de despesa. Esses processos corporativos são complicados. Uma vez tive que imprimir uma nota fiscal eletrônica e enviar por Sedex. Fico imaginando se precisasse mandar uma captura de tela. Provavelmente teria que fotografar o monitor e enviar a foto por carta registrada.

Depois de ser assaltado por dois quibes, um sanduíche natural e dois sucos, peguei um táxi e fui para o hotel. Chegando lá, descobri que a fechadura eletrônica tinha um macete pra liberar a maçaneta (isso dá samba, Macete da Maçaneta). Esta viagem estava se mostrando a viagem das gambiarras, e eu nem tinha levado chicletes, só clipes de papel.

Depois de comer, fui surpreendido ao baterem na porta dos fundos. Era a comida pedindo pra sair. O banheiro se transformou em dormitório por algumas horas. Depois da soneca, fui dormir na verdadeira cama, esperando que o resto do dia fosse melhor (a duas da matina, hoje já era amanhã).

Comi somente frutas no café-da-manhã, lembrei da minha avó falando que goiaba prendia e mandei ver. Só que não lembrei que mamão soltava. Meu intestino parecia o dia 8 de Julho do mesmo ano, quando Lula foi solto e preso 420 vezes. Pedi o táxi pra ir ao cliente e rapidinho estava lá. Por incrível que pareça, somente uma coisa estranha aconteceu: meus óculos não embaçaram.

Na volta, pedi um táxi e o motorista estava ali do lado. Quando entrei no veículo, notei um cheiro de pão quentinho. Resolvi comentar com o motorista. Provavelmente uma das piores ideias da minha vida.

O motorista, então, estabeleceu a conexão:

– Você gosta desse cheiro?

– Sim! Pão quentinho é uma maravilha! Devem estar ótimos!

– Sabe o que cheira melhor que isso?

– Não… o quê?

Pronto! Me senti um ignobutário, uma espécie comum de ignorante, burro e otário que habita o país respondendo perguntas idiotas com outras perguntas idiotas. Eis que, num rápido movimento, o motorista saca algo e borrifa na direção das minhas mãos. Sim, era um perfume:

– Sente o cheiro!

– Err… hummm… ééé… bom… até…

– Isso, meu amigo, é HINODEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE!!!!!!!!!!!

Ele, então, iniciou um monólogo sobre o quanto era foda demais ser “empreendedor” Hinode. Que era ganhar dinheiro sem fazer nada, que era uma maravilha, que ele ia até sair do táxi depois de “bater um titan” (enquanto eu me preocupava se ele ia bater num poste). Passou-se um século naquele que seria um simples trajeto de cinco quilômetros.

Eis, então, que a sorte me brinda com um engarrafamento no retorno para o tão aguardado hotel. O motorista me perguntou se podia me deixar ali mesmo por causa do trânsito, assim eu só teria que atravessar a rua. Disse que sim e me livrei do maluco. Aquela foi a minha única decisão sábia do dia. Hora de passar pelo macete da maçaneta, deixar as coisas no quarto e ir procurar um lugar pra comer. O HortoMercado parecia uma boa opção, era perto e tinha um supermercado como alternativa ao frigobar inflacionado.

Chegando no Horto, fui comer em um dos restaurantes. Pedi um prato maluco lá composto de batatas assadas, carne e arroz. O garçom então me entrega um prato vazio. Minutos depois vieram três pratos menores com a comida separada em cada um. Uma clara sugestão de que eu deveria colocar no meu prato. Peguei o prato com as batatas, para o desespero das minhas mãos.

O cozinheiro assou as batatas no mesmo prato que o garçom usou pra me servir. Aquela merda quase derreteu minhas mãos. Xinguei mentalmente o restaurante de vários nomes lindos e em vários idiomas, muitos até inventados naquela hora. Terminei a refeição, passei no mercado, fui dormir, acordei, me arrumei, peguei o táxi… e aquela merda ainda ardia por causa das batatas ao ferrete que idiotamente fiz questão de pedir no dia anterior. Se eu tivesse pegado o prato um pouco mais pra direita eu provavelmente teria hoje uma tatuagem nas mãos escrito “Duralex”. Por quê não marcam gado com um piercing na orelha ou uma caneta pra retroprojetor?

No cliente, as coisas deram a entender que iam melhorar. Resolvi uns problemas, apresentei umas ideias legais, enfim, fiz o meu trabalho do jeito certo. Claro que a merda da dor não passava. Mesmo quando perdi o horário do táxi para o aeroporto porque estava conversando sobre blues e jazz a dor sincopava nos batimentos do meu coração.

Na hora de ir embora, pedi o táxi para o aeroporto e um taxista aceitou a corrida logo em seguida. Eu tenho o costume de ligar ou mandar mensagem informando meu local exato, mas aquele taxista me ignorou nas duas tentativas de contato. Cancelei e pedi outro pois não poderia correr o risco de chegar mais tarde. Pelos meus cálculos, chegaria no horário do embarque. Nada de alarmante, considerando que levo menos de cinco minutos pra chegar ao portão de embarque. Nada mais de tumultos porque o novo terminal é muito maior do que o antigo, cabendo bem mais do que 46 pessoas sentadas e 23 em pé.

Olhando para o aplicativo do celular pude ver a foto do motorista. Me parecia familiar. Algo muito comum, considerando que já ia a Vitória semanalmente desde Janeiro do mesmo ano e vários taxistas já me atenderam mais de uma vez. Para acabar com todo o meu bom momento final de viagem, no maior plot twist carpado de costas, eis que o motorista aparece do outro lado da rua. Adivinhou quem é? O animal faz uma conversão na via de mão dupla gritando “Marcelãããããooooo!!! Eu vim buscar o Marcelãããããoooooo!!!”. Sim, era o meu querido taxista Hinode. Fudeu!

Durante o trajeto, o maluco abriu o sistema da Hinode pra me cadastrar porque não ia dar tempo pra fazermos o cadastro juntinhos no aeroporto. Aí eu tive a ideia de pedir o código dele na Hinode pra fazer o cadastro no avião (e pra garantir que chegaria com vida ao aeroporto também). Nunca foi tão bom perder o horário. Fingi que anotei o código, mas ele me pediu o número do meu celular. Eu disse que não tinha número pessoal e que aquele era meu número corporativo.

Surpreendentemente, o motorista não insistiu mais e me disse para ligar pra ele quando terminasse o cadastro pra pegar umas dicas. É impressionante como essa pirâmide disfarçada de marketing multi-nível faz uma lavagem cerebral nas pessoas. Ganhar dinheiro sem fazer nada não é nem pra políticos porque eles ainda tem o trabalho de roubar esse dinheiro. E o mais interessante é que ninguém fala sobre o produto que é vendido. Na verdade, até desviam do assunto quando menciono sobre vender o produto. “Aqui a gente não vende produtos, indica pessoas e monta uma rede de relacionamento. O produto é pro nosso dia-a-dia” – Porra!!! Isso é uma pirâmide gourmet pra masoquistas! Tô fora… da pirâmide… e do táxi. Finalmente cheguei no aeroporto.

Em exatos cinco minutos já estava na fila do embarque, que, como sempre, atrasou vinte. Contei ressabiado as fileiras da aeronave e, do nada, me bateu uma dor. Eram as dores nas mãos, que se esconderam do taxista durante toda a viagem. Àquela altura não estavam incomodando tanto, acho que tiveram pena de mim, ou estavam ocupadas fazendo o cadastro na Hinode.

Espero muito que ele bata naquele titan malvado e saia do táxi antes da minha próxima ida a Vitória… ou terei mais histórias para contar.