Obviamente, toda aventura desse tipo começa no aeroporto. E apesar de também ser óbvio uma placa escrito “Win Club” na fila preferencial do raio-x, ainda assim as pessoas insistem em fazer fila de bandejão do outro lado. Abri o aplicativo e passei pela preferencial. Como estava por outra companhia aérea, não seria beneficiado pelos zilhões de milhas que acumulei durante meses em cárcere aéreo. Havia escolhido a poltrona 15D e ativado o check-in automático do aplicativo de viagens que uso pra não me preocupar. Era só chegar no aeroporto e ir pra fila do embarque com minhas tralhas.

Óbvio que eu obviamente levava minha mochila e uma óbvia mala pequena. Afinal, seria uma infinita semana longe da família e eu não sou muito fã do benefício que os lados de dentro e de fora das roupas oferecem aos viajantes que sofrem de falta de planejamento. Para minha surpresa, a fila pra quem levava mala como bagagem de mão seria a última a embarcar. E para outra supresa também nada óbvia, a fila de preferenciais por lei era maior que as duas filas destinadas aos mortais, e ainda tinha a fila “premium”, que por acaso também serve para os assentos em saídas de emergência. Perguntei aos atendentes se meu assento por acaso não era em uma das saídas. Óbvio que só me responderam um “não”, sem ao menos checar.

Foi tanto tempo pra embarcar que eu nem tinha mais esperanças de conseguir um cantinho pra minha mala. Porém, duas surpresas me agradaram: havia um lugarzinho em cima do assento 15D e este era, de fato, em uma saída de emergência. Óbvio que fiquei puto com a atitude dos atendentes da companhia aérea. Mas era óbvio que seriam idiotas de qualquer forma, já que não uso terno.

Depois de ouvir que, em caso de apocalipse zumbi, eu deveria arrancar a porta com minha super força concedida por Odin a quem não está em pânico em uma situação de emergência no avião, fui assistir os vídeos que havia colocado no meu tablet. É impressionante esse lance de saída de emergência. Algumas companhias aéreas cobram um extra pelo assento como “assento conforto”. Sim, é confortante pra a companhia aérea saber que um ser treinado adequadamente para não surtar em uma calamidade aérea vai abrir aquela merda em caso de emergência… e ele ainda precisa pagar pra ter esse incrível privilégio de trabalhar sob pressão. O interessante é que naquele caso eu consegui escolher o assento sem cobrança adicional. Gol a meu favor. Mas eu já estava perdendo de lavada.

Depois de duas horas e meia de conforto desconfortável, chego no aeroporto de Belém. Quando saí do aeroporto pra chamar o táxi (e torcer pra ele não querer me vender nada da Hinode), tive uma sensação estranha. Não conseguia respirar por causa do clima da cidade. Era uma sensação muito desagradável. Cheguei no hotel quase de madrugada e fui dormir. Teria um longo dia pela frente.

Quando saí do hotel, na manhã do dia seguinte, comecei a desejar somente aquela sensação desagradável de não respirar. Que merda de cheiro! O máximo que consegui fazer foi apertar a mochila contra as costas e fingir que era uma tartaruga ninja. E ainda tinha o calor infernal na cidade. Se não fossem as chuvas e a alta humidade eu teria entrado em combustão expontânea… e deixaria de ser o Donatello pra virar o Tocha Humana.

A cidade estava bem movimentada pois era a semana de preparativos para o Círio de Nazaré, um baita evento religioso e tradicional da cidade. Tudo girava em torno do Círio naquela semana. Inclusive, a entrada do prédio em que eu iria trabalhar fora fechada e tivemos que usar a entradinha lateral.

O sistema de segurança do prédio era bem inovador. Você só poderia entrar no elevador se tivesse o crachá da instituição ou uma tecnológica pulseira feita de uma pasta de elementos fibrosos de origem vegetal, semelhante aquelas de hospital que indicam o estado do paciente. Não vi o documento do cliente que me autorizava a portar tão magnífica pulseira, mas tenho certeza que era um papiro.

O sistema de segurança escolhia uma cor de pulseira para cada dia da semana, assim você não conseguiria entrar no recinto com a pulseira do dia anterior. E a pulseira ainda tinha um mecanismo que não a deixava ser removida sem deixar traços que a impediriam de ser colocada novamente. Só posso dizer que conseguir quebrar um sistema de segurança com um durex foi uma das minhas maiores façanhas.

Apesar de uma pulseira amarelo-brilho-do-sol, meu estado era terminal e eu poderia ter uma recaída a qualquer momento. O tempo passou e finalmente fomos almoçar. Descemos a rua e entramos em um lugar bem simples e com uma comida muito apetitosa. Pena que o cheiro de esgoto reduzido no molho de carniça que emanava do meio da rua não harmonizou com o excelente prato que pedi.

Os dias foram passando, as cores mudavam, o cheiro continuava o mesmo, e eu afogava as mágoas injetando cupuaçu na veia. Quando achei já ter visto (e cheirado) tudo, uma figura peculiar aparece do lado de fora do prédio cantando os maiores sucessos de Luciano Pavarotti traduzidos para turperquistameniquês. Ao que me disseram, aquele era um ponto regular do cantor. Genial! Tive que ir lá eternizar o momento antes de voltar pro hotel.

Depois de tantas surpresas, era hora de fazer o check-out. Como sempre, não consumi nada do frigobar inflacionado e desci pra fazer o procedimento. Para minha surpresa, me cobraram uma porrada de cervejas do bar. Até dentro do hotel as coisas não cheiram bem! Que coisa! Pelo menos foi fácil de resolver, apesar de eu ter que assinar uma declaração dizendo que não consumi o que disseram que consumi. Mais cheiro de coisa errada.

O restante foi tranquilo, afinal, já sabia o que esperar. Em poucas horas já estava em casa passando bom ar na barba.

Mas quem disse que acabou? Um par de semanas depois e lá vou eu organizar mais uma ida à terra do cupuaçu. Nem me lembrava mais do cheiro da cidade, só do meu cantor preferido.

Pra sorte do meu azar, a cidade estava beirando os 40 graus e, dentro da maldita sala, apenas 15 deles fariam meu corpo entrar em colapso. Mal o primeiro dia de atividades se encerrou e as atividades na minha garganta já estavam a todo o vapor. Nada de cupuaçu, mas pelo menos o meu cantor favorito estava lá pra me consolar com seus versos ítalo-alienígenas.

Como eu já imaginava a possibilidade de me fuder com o clima dentro e fora da sala, levei um casaco desses que viram um pacote mortadela tamanho família e amenizei um pouco a situação. Pena que não havia levado um cachecol pra evitar os problemas na garganta. Teria sido bem interessante andar com uma merda de um combo casaco mais cachecol no meio de um vulcão flatulento.

Na hora de ir embora, senti o cheiro de coisa errada no hotel e fui novamente cobrado por cervejas no bar. Parece ser bem fácil conseguir coisas de graça nos hotéis, é só botar na conta do trouxa do quarto ao lado. Lá vou eu assinar novamente o documento eu-não-consumi-aquela-porra-e-não-pretendo-pagar-por-ela em 42 vias reconhecidas pela firma celeste.

Peço o táxi e, novamente, mais cheiro de coisa errada. O motorista iria chegar por volta de 9h30 no aeroporto, no mesmo horário em que deveria estar de volta no hotel para pegar outro passageiro. Ele até me pediu pra cancelar a corrida pelo aplicativo, algo que não poderia ser feito. E lá vamos nós procurar o amigo dele pra me levar até o aeroporto, de posse do celular dele pra fazer a cobrança. Depois da confusão, cheguei em tempo pra entrar na fila do embarque, que, inexplicavelmente, só contava com algumas pessoas na fila preferencial.

Mochila no lugar, mala no lugar, fones de ouvido no lugar. Estava pronto pra voltar pra casa e meu cantor paraense me vem à lembrança. Comecei, então, a entender um pouco a letra daquela canção.

Mussum dorme! Mussum dorme!